A colectânea “Ocultos Buracos” é uma obra da Pastelaria Studios Editora onde os vários
autores, dando largas à imaginação, escreveram Histórias Horríveis ou Impossíveis.
Esta é a minha história impossível nesta colectânea.
O Monstro Do Amor
O tempo passara rápido,
tão rápido que nem dei pelas primeiras estrelas se erguerem no céu. Deambulando
por ali e tentando afastar a melancolia que me preenchia a alma sentei-me no
chão macio de capim quase ressequido pelo calor da planície e fiquei a observar
os últimos raios de sol daquele dia, que fora mais um daqueles em que as
estrelas se incendeiam antes de chegarem à noite. E num ápice, o sol já se
recolhera no horizonte do seu descanso nocturno, deixando-as apenas a elas, as estrelas
que eu via erguerem-se uma a uma no céu de veludo que brevemente seria negro...
- Não tarda e a
lua aparecerá bem lá no alto qual rainha dos céus.
Sem que eu
tivesse tempo nem mesmo para me refazer do susto e já aquela criatura se
sentava ao meu lado fazendo-me sentir tal arrepio pelo corpo acima que a minha
única reacção foi apertar-me com os meus próprios braços, abraçando-me a mim
mesma. Não o tinha sentido aproximar-se, estava talvez demasiado concentrada na
minha imensurável melancolia mas a verdade é que aquele ser de aparência
esquisita veio em pezinhos de lã.
- A lua, a linda
rainha dos céus está quase a chegar. – Repetiu, fazendo com que me virasse na
sua direcção e como que com um íman os seus olhos atraíssem os meus, ao
contrário do que tinha visto antes, que me parecera um monstro de um filme de
terror, via agora um olhar meigo que me envolvia com toda a ternura do mundo.
Era magnético aquele olhar castanho de mel, adoçava-me por completo o espírito
e a alma. A melancolia que me levara para ali desaparecia completamente e a voz
saiu-me num sussurro.
- Sim, a lua…
- Hoje é lua
cheia e eu sei que tu adoras a lua cheia.
Sim, é verdade
que nutro um certo fascínio pelas noites de lua cheia. A noite da planície
iluminada, apenas, pelo brilho da lua cheia assemelha-se ao mais belo quadro
que algum pintor jamais pintou. Mas como é que alguém que eu nunca vira sabia
deste meu fascínio? A não ser que… não, não podia ser. A única pessoa que me
provocava aquelas sensações era alguém por quem eu me vinha apaixonando e que as
minhas amigas apelidavam de monstro, mas ele não era monstro, era tão bonito no
seu porte de homem sensual, o rapaz mais bonito do liceu. Como é que alguém
podia dizer que aquele rapaz de olhos castanhos de mel e corpo musculado, na
medida certa, era um monstro?
Definitivamente
não era ele. Mas sentia-me tão bem naquele abraço em que o seu olhar me
envolvia. Aproximei-me mais e pude ver os lábios que emolduravam um sorriso
estampado numa boca perfeita. Senti vontade de o beijar. Possuída por um
impulso momentâneo cerrei as pálpebras e fiquei de boca entreaberta para
saborear o beijo, senti-o aproximar-se, o hálito macio e os lábios quase
colados aos meus disseram-me que o seu olhar passava de ternurento a apaixonado.
O beijo foi delicado mas intenso, exigente e de total entrega. E eu, eu
abandonei-me por completo ao deleite que aquela boca espalhava por todo o meu
corpo.
Devagar e
enquanto, com o olhar me aprisionava a alma, vestiu o meu corpo de caricias, mãos
de seda que me faziam alcançar as nuvens e, na noite, choveu. Choveu uma chuva
de prata que o fez inundar-se de mim, quando para me proteger, poisou o seu
corpo sobre o meu. E juntos olhámos o céu. Nada mais existiu para além dos
corpos sintonizados com a natureza… e a lua. A lua que desde que subira sobre o
manto de veludo negro se tornara nossa cúmplice. Cantos de anjos se entoaram
nos céus, desafiando o meu Deus, o meu Deus grego do amor, a entoar com eles a
paixão. E assim se compuseram as mais belas melodias de amor.
Depois, depois a
dança de uma coreografia arrojada sob o olhar cúmplice da lua, até aos últimos
passos que explodiram em êxtases de corpos e almas fundidos num só.
E finalmente,
paz! A paz dos espíritos que num mundo de total serenidade se pertencem.
Senti a
felicidade em toda a sua plenitude e quase jurava que ele também. Entre
promessas e beijos adormecemos… até que os primeiros raios de sol anunciaram a
alvorada.
- Tu não és um
monstro… - Soltaram-se-me da boca, as palavras, antes mesmo que o meu
raciocínio, ainda adormecido, as pudesse processar.
-…?!
- Ontem à noite
estavas diferente.
- Diferente,
como?
-Eras um
monstro… um monstro amoroso.
- O teu monstro
do amor?
- Sim, o meu
monstro amado!
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