Na mesa
havia alguns fritos de Natal. Poucos, que o dinheiro não dava para muita
fartura. Ainda assim, fazia-se o que era quase impossível para manter a mesa
posta naquela noite. Ninguém lhe tocava, para que não ficasse despida. Nem as
crianças. Diziam-lhe que era para o menino Jesus, quando de madrugada descesse
pela chaminé. Na verdade, era porque apenas havia uma filhó para cada um,
feitas com a farinha que tinha sido roubada ao pão. Seriam o desjejum do dia
seguinte.
Para aquela
noite tinham a ceia que a mãe conseguira, desviando um pouco, muito pouco, do
que o marido lhe dava todos os meses para a casa. Comprara uma posta de
bacalhau e completara a panela com couves e batatas do pedaço de terra que o
vizinho lhe tinha emprestado para semear.
Foi a avó
quem comandou o ritual. Era sempre ela. Mesmo já nem sequer andando pelo
próprio pé, devido às dores que lhe tinham deformado os ossos, era ela a autoridade
máxima. Começou por agradecer a uma qualquer entidade divina a refeição que iam
degustar. Os miúdos olhavam-na com uma certa desconfiança. Não entendiam porque
tinham de agradecer, se tinham tão pouco. Com certeza mereciam muito mais.
Deviam era protestar, isso sim. Sabiam que havia quem tivesse tanto a sobrar.
No entanto,
esqueceram todos os protestos assim que começaram a comer. A mãe tinha feito um
milagre. Aquela ceia tinha um sabor fabuloso. Sabia a amor, disse quando lhe
perguntaram o que tinha posto na panela. Comeram até se fartarem.
E então, estava
na hora de ir à missa. Era um hábito que todos gostavam, pois logo a seguir
toda a gente da aldeia se juntava à volta da fogueira a cantar canções ao
menino. Todos ajudaram a avó a sentar-se na cadeira onde o pai tinha
improvisado umas rodas. Algo que faziam com naturalidade, pois era a lei da
vida. A avó precisava que a carregassem, eles carregavam-na como ela já tinha
feito com eles. E estavam prontos.
Mas antes
de saírem, a avó pediu que lhe alcançassem o saco que estava guardado atrás da
porta. Era um saco grande e todos ficaram parados com os olhos muito abertos a
olhar para ele. Não entendiam o que é que a avó queria daquele grande saco. Muito
serena, como se aquele fosse um momento sagrado, ela começou a tirar casacos lá
de dentro. Um para cada um, havia para todos. Tinham sido feitos com lã de
camisolas velhas que ela tinha desmanchado.
Agora
entendiam as horas e horas que ela passava agarrada ao seu tricot.
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