27/01/2017

Acasos

Fotografia de Marta Cernicka |

Há acasos que podem salvar dias.
Quando o sol não aparece pela manhã
e o canto dos pássaros se deixa de ouvir,
perdido na inquebrável cinzentania
que esconde a esperança, ainda que vã.
Se no vento perdido voa um certo florir
de sementes que fecundam o chão
e irradiam os magnetismos do coração.
Sente-se o perfume que se espalha no ar,
em gotas de total embriaguez.
Síndrome de grande alheamento, talvez,
a tudo o que tende a desintegrar
o destino dos dias que nascem sem aso
e por uma flor que desponta vadia,
são salvos ao acaso.



26/01/2017

Vem ter comigo

Fotografia de Jana Vanourkova

Vem ter comigo,
em ondas de azul marinho…
mas vem de mansinho.
Quero-te assim, indelével,
a fingir que não te instigo.
Porque o meu querer não é breve,
nem se dissipa em qualquer tarde.
Precisa de sentir entranhares-te,
como a fogueira que arde…
e depois consumir-te num momento,
em braseiro de fogo lento.   



25/01/2017

A Noite... e Eu


Fotografia de Bianca Van Der Werf

Gosto da noite. Gosto de me envolver nos mistérios que ela inspira, percorrer passo a passo os meandros de um encanto que é só seu e depois, ir até ao fundo de mim. Há muito de semelhante em nós… as escuridões onde só entra quem não tem medo de se perder e os enlaces que prendem sem querer. Ambas feiticeiras de um pecado sem freio, aprisionamos os sentidos em ânsias de vermelho escarlate. Roubamos o brilho da lua cheia e pairamos nas ondas do mar. Ora maré vazia, ora maré cheia. Sempre em plena harmonia com o que alma anseia.



22/01/2017

Vou encontrar-te... um dia

Foto de Piotr Kowalik

A qualquer hora
de um dia menos pensado,
vou encontrar-te.
Andarei sem me importar a demora,
estarás em algum lado.
Depois, senhora de ti, vou resgatar-te.

Far-te-ei meu prisioneiro,
capacho dos meus mais vis caprichos.
Dominarei a tua vontade
e com os ferros da prisão, serás ordeiro.
Rastejarás nos nichos,
onde um dia cultivaste a tua vã crueldade.

Saberás que não te aceito,
ainda que queiras fazer de mim marioneta,
sem nenhum tino.
Jamais haverá, na subtileza, algum jeito
da minha alma inquieta
se deixar prender  nas anaias do destino .



19/01/2017

Chegaste poesia


Fotografia de Vittorio Pellazza

Chegaste tarde…
emergindo por entre a neblina,
que cobria a noite.
Contigo, trazias a chama que arde
sempre em rima,
dos versos que surgem sem mote.

O tempo fez-se poema…
no instante da esperança perdida,
sem sol para amanhã.
E um desabrochar de açucenas
sem medida
renasceu nos veios da pedra Ançã.

Vestiu-se a vida de poesia…
assim, naquele tempo que estava nublado.
Palavras pequenas
passaram a surgir numa senda de alegoria
ao sentir acabado,
jorrando em fluxo do bico de todas as penas.



16/01/2017

Tempestade


Fotografia de Václav Širc

              Deixa! Deixa que a tempestade venha e me inunde por dentro. Deixa que me arranque para sempre os resquícios daquele deserto, que me secou os sentimentos. Mesmo que venha forte, deixa que venha. Só assim ficarei livre da guerra dos tormentos.
            Porque eles estão arreigados em todos os momentos e a minha força é pequena para que os desfaça, simplesmente. Preciso da força da tempestade para os arrastar, longinquamente. Que os leve, que os derrame ao vento. Para que atravessem montes sem voltar para trás, ou marés em contracorrente.
            Deixa vir a tempestade, para que eu possa seguir livremente!    



12/01/2017

O Tempo da Vida


Fotografia de Lyubomir Bukov

Não é no tempo que está a vida.
Ah, pois… não é!
Não é no tempo que respiramos,
ou no tempo que andamos por cá.

Porque a existência é sempre coibida
a ser apenas o que é!
Mas não é vida, se nela não amamos,
não sentimos, nem sequer nos doamos!

Há tanta vida na hora, como no minuto.
O tempo é astuto.
Ludibria o ser com o estar, na idade
e tenta fazer crer na longevidade.

Mas a longevidade é tão efémera,
como o instante.
Existir não é viver, é só a matéria.
Existir é apenas figurar estanque.

Por isso, não há vida na existência,
nem imortalidade.
O tempo é só mera coincidência
na escalada para eternidade.



11/01/2017

Até agora...


Fotografia de Nils Vilnis

            - Diz-me, diz-me para onde vamos depois?
            - Depois de quê?
            - Ora, depois de quê… depois. Depois de isto acabar.
            - Ah, isso. Ora, eu quero lá saber. Eu não quero saber do depois. Quero é saber do agora, é no agora que eu estou. É agora que eu vivo, é agora que eu sinto, é agora que eu padeço e que eu me alegro. Para além disso, nem sei se há depois. Para que é que hei-de querer saber de algo que não sei se existe.
            - Entendo. Então, até agora!



09/01/2017

in Alegrete D'Aquém e D'Além Mar


O sonho pairava no ar e foi numa espécie de magia sentida a dois que terminaram o jantar. Inês e Henrique sabiam que um caminho reluzente os esperava para ser percorrido na senda da paixão. Um e outro eram estrelas da mesma galáxia. Corpos ardentes que se queriam pertencer numa dádiva mútua em cama de prazer.
- Este quarto era dos meus avós – Henrique falou com intensidade na voz – este foi o seu leito nupcial. Meu avô costumava contar para mim e para meu irmão que naquele tempo não tivera oportunidade para viajar em lua-de-mel então estavam neste quarto os paraísos encantados que visitara com o amor de sua vida. A minha avó.
Inês deslizou a mão ao longo do cabelo, soltando-o por cima do peito que deixava vislumbrar através do decote semiaberto. Andou na direção de Henrique e com olhar sedutor ofereceu-lhe o beijo que o despertou para uma dança de sentidos. Desnudaram-se os corpos na sequência das mãos em delírio. Que as almas, essas já se haviam desnudado à mercê do estado que as envolvia. Caminhos desconhecidos, trilhos secretos que a um e a outro desvendavam universos sombrios à espera de libertação. Elevaram-se os espíritos, cânticos de anjos ecoaram nos céus. Houve o êxtase e num instante a inquietação. Nos olhos de Inês, nuvens intempestivas assombraram o coração de Henrique.
- Desculpa…
- Desculpa…?
- Fiz-te chorar.
- Uma mulher chora sempre. Chora quando está profundamente triste, chora quando está extremamente feliz, chora quando odeia, chora quando ama. Chora quando o coração lhe transborda de sentimentos que a marcam para todo o sempre.
Henrique bebeu na força do caudal daquele rio de lágrimas e chorou também. Sem palavras, porque todas as do universo não aguentariam o que aquelas duas almas tinham para dizer, deixaram adormecer os corpos ao ritmo dos corações em festa. Pela madrugada fora rumo a uma alvorada que se eternizaria no amor que os fazia unos.
- Inês, já é dia.
- Não, não me acordes ainda. Quero banhar-me nua no sol desta manhã.
Sol que não havia. Nem sequer a janela estava aberta. O sol brilhava só e apenas para eles os dois. Foi o último trago da noite, que beberam antes de se juntarem ao convívio familiar que não desejavam.


04/01/2017

Perder-me ou Encontrar-me...


Fotografia de Floriana Barbu

Sai de manhã cedo, pelos caminhos da minha alma. Havia uma névoa embriagante, onde o meu ser existia. Qualquer ausência, que não reconhecia em mim. Eu queria, precisava encontrar o rumo do meu destino e naquele momento, estava perdida. Coisas de um acaso, penso eu… às vezes, por coisas que ninguém entende, perde-se o rumo do destino.
E depois? Depois há que encontra-lo… ou então, perder-se para sempre.



03/01/2017

O Meu Sonho...

Fotografia de Tamara L

O meu sonho é discreto…
desliza silenciosamente
pelos trilhos do meu ser.
Ainda assim, ardentemente
com ganas de ser completo,
para me satisfazer.

Que a metade não me serve,
nem o que é inacabado.
Talvez seja até pecado
do meu ser insatisfeito,
mas se tudo isto é tão breve,
porquê quere-lo de outro jeito?



02/01/2017

Continuação do Caminho


Fotografia de Roberto Carli

A cada esquina,
novo rumo se avizinha.
Mil intenções de mudança…
há que ter esperança!
A nova oportunidade já ai vinha,
no caminho que sempre avança.

Na curva do caminho,
são de mansinho
tantos desejos professados.
Hoje, momentos já passados.
Porque se acabou a festa
e afinal, a esquina era recta.

No comportamento,
tudo segue em andamento
com o ritmo do costume.
Intenções? Leva-as o vento.
Para quê tanto queixume…
é assim o nosso sentimento.